Frente e Verso: Marília Marz
- ateliedoisemeio

- 12 de nov.
- 5 min de leitura
FRENTE E VERSO é uma série de entrevistas que explora o percurso criativo de artistas de diversas linguagens. A cada episódio, um artista compartilha um pouco da sua trajetória, suas inspirações e os desafios que surgem no caminho. Cores, técnicas e ideias se encontram no papel, revelando histórias de quem cria, transforma e imprime.

MARÍLIA MARZ é ilustradora, quadrinista e chargista do jornal Folha de São Paulo. Entre seus principais trabalhos está a HQ autoral “Indivisível”, aprovada no PNLD Literário 2021 (Plano Nacional do Livro Didático). Também é autora da HQ curta “Pra Onde Vamos, Pai?”, para o programa IMS Convida do Instituto Moreira Salles, e diversos trabalhos institucionais e comerciais de ilustração para clientes variados, como Sesc, Instituto Pólis, Vitrine Filmes e Heineken
...
DOIS E MEIO Sua primeira formação foi Arquitetura. Como chegou à linguagem dos Quadrinhos e como vê a influência da Arquitetura na sua produção artística?
MARÍLIA MARZ Sempre li e fiz histórias em quadrinhos por diversão, na escola, com as minhas amigas, mas o ponto de virada foi quando ganhei a bolsa da última edição do programa Ciências Sem Fronteiras para estudar nos Estados Unidos, na University Of Oregon, uma faculdade onde o curso de quadrinhos fazia parte da grade curricular. Foi por lá que mergulhei de vez no universo dos quadrinhos e me identifiquei muito com essa linguagem. A arquitetura sempre me influenciou, pois gosto muito de cidades grandes, acho que é um plano de fundo de quase todos os meus trabalhos e hoje vejo como a combinação desses dois interesses resulta no tipo de desenho que produzo hoje.
DOIS E MEIO Muitos de seus trabalhos tem a temática do protagonismo negro. Qual foi o papel da arte no processo de reconhecimento de si mesma como mulher negra?
MARÍLIA MARZ Sendo muito sincera, não foi através da arte que aprendi a me reconhecer como mulher negra. O campo das artes foi apenas mais um espaço onde aprendi a me reconhecer como mulher não branca, por assim dizer. De qualquer forma, após esse reconhecimento, comecei a olhar para a arte de forma diferente e a enxergar as dinâmicas raciais presentes dentro de todo e qualquer trabalho artístico, independente de quem o esteja produzindo. Hoje, tento trazer isso para o meu trabalho por ser parte inerente de quem sou e, na arte autoral, acredito ser difícil fugir de si mesma.

Painel Capela dos Aflitos - Liberdade - SP
Arte de Marília Marz: Divulgação
DOIS E MEIO Qual a sua relação com as redes sociais? A criação de conteúdo em meio a tantas tarefas do ofício de artista independente, os haters, etc.
MARÍLIA MARZ Hoje estou pouco ativa nas redes sociais, mas preciso retomar, pois acredito que elas são uma ferramenta necessária na promoção do nosso trabalho como artista, apesar de também achar bastante cansativa essa dinâmica de movimentá-las. Ainda estou buscando um equilíbrio para que seja possível promover o meu trabalho de forma eficaz sem ter que ficar tão online. Através do meu trabalho para a Folha, acabei me deparando com haters ou comentários negativos sobre o meu trabalho, que hoje aprendi a apenas ignorar. Não olho a sessão de comentários e nem respondo nenhuma mensagem, esse tipo de interação só me prejudica e não leva a lugar nenhum, mas infelizmente faz parte de ter alguma presença online.
DOIS E MEIO Depois que um artista ganha certa visibilidade no contexto das redes sociais, as pessoas imaginam que a pessoa está sempre no auge, em atividade. Qual foi o maior contraste que já viveu entre a percepção pública e sua realidade financeira ou emocional?
MARÍLIA MARZ É comum existir um abismo entre visibilidade e remuneração. Número de seguidores ou tamanho do nome do cliente não são necessariamente proporcionais ao valor que estas pessoas estão te oferecendo. Mas quem vê de fora faz essa associação entre prestígio e dinheiro automaticamente, mas muitas vezes isso não é verdadeiro no universo da ilustração. Acredito realmente que as redes sociais são, antes de tudo, vitrines, muito bem ou muito mal construídas, mas que na maioria das vezes não correspondem à realidade.

"EVA"
Arte de Marília Marz: Divulgação
DOIS E MEIO Quais são suas maiores referências de mulheres artistas neste momento da sua carreira?
MARÍLIA MARZ Acho que minha maior referência de mulher artista já faz algum tempo é a ilustradora Yuko Shimizu, que admiro muito por ter um traço autoral fruto de um trabalho analógico muito sério e constante, construído ao longo de anos. Isso é algo que eu sempre almejei para mim e, especificamente agora, onde estou tentando retomar o trabalho analógico, adquiriu uma importância ainda maior.
DOIS E MEIO Tivemos a honra de imprimir sua obra no Ateliê. O que achou do resultado do seu trabalho impresso em Fine Art e quais são seus principais critérios na escolha das imagens que serão impressas?
MARÍLIA MARZ Eu nunca tinha visto um trabalho meu impresso em Fine Art e confesso que fiquei muito surpresa positivamente quando tirei a impressão do tubo do Ateliê Dois e Meio! A qualidade da impressão é maravilhosa e realmente deu vida ao meu desenho de uma forma inédita pra mim, as cores saíram muito vibrantes e nítidas, ficou lindo. O desenho que escolhi para impressão foi uma ilustração com muitos detalhes e que foi originalmente feita em tamanho A2, por isso achei que uma impressão de alta qualidade engrandeceria o trabalho - e foi exatamente o que aconteceu.

Poster "Retratos Fantasmas"
Arte de Marília Marz: Divulgação
DOIS E MEIO Quais foram as suas maiores referências de arte na infância? Essas referências ainda perduram?
MARÍLIA MARZ Acho que o artista que mais me lembro de gostar muito na infância foi Toulouse-Lautrec, apresentado para mim pela minha avó. Até hoje acho as pinturas e cartazes maravilhosos e acabo olhando como referência, dependendo do perfil do trabalho. Quando criança também tinha o costume de ler livros de fábulas ilustrados, não sei os nomes dos ilustradores, mas também era algo que eu gostava muito, por adorar animais. Acredito que essas referências perduram sim, seja do ponto de vista gráfico ou temático, consigo ainda vê-las em algum lugar no meu trabalho.

Arte de Marília Marz: Divulgação
DOIS E MEIO Qual o momento mais emocionante da sua carreira e quais são as coisas do dia a dia que te motivam a continuar trabalhando com arte?
MARÍLIA MARZ O momento mais emocionante da minha carreira foi quando recebi a notícia de que minha história em quadrinhos havia sido aprovada no PNLD (Plano Nacional do Livro Didático). Constatar que fui capaz de produzir um trabalho relevante o suficiente para estar dentro das salas de aula com certeza foi um ponto de virada na forma como enxergava a minha produção. Visitar escolas, um ambiente crucial para a formação de crianças e adolescentes, para falar sobre Indivisível, é um grande motivador para seguir trabalhando e acreditando na linguagem dos quadrinhos como ferramenta de comunicação até hoje. Para além disso, sou fascinada pelas banalidades e detalhes cotidianos do nosso dia a dia e, cada vez mais, tento trazê-los para o meu trabalho de alguma forma.
...
Acompanhe o trabalho da artista Marília Marz:




Comentários